3. As técnicas de aplicação do Direito e o ciberespaço

Consigna-se, agora,  a visão absolutamente inovadora de Wiener quando comparou a informação à energia e à matéria, dizendo-a mais valiosa. Daí nasceram duas noções: (i) a de que informação (conhecimento) é poder e (ii) a do ciberespaço, em que se abstraem as duas outras ideias (matéria e energia, os suportes físicos) e trabalha-se apenas com a informação suportada e tramitada. Um mundo puro da informação.  Matéria e energia, nesse caso, passam apenas à condição de meros instrumentos da manutenção do realmente importante: a informação em circulação.

O desenvolvimento da microeletrônica, das telecomunicações e da Teoria dos Sistemas levou à concretização da ideia wieneriana nas décadas subsequentes. E atualmente falamos do processo eletrônico: a informação armazenada e tramitada pelos novos meios, impensáveis há poucos anos, a serviço dos objetivos do  Direito. O processo no ciberespaço.   

Segundo André L. M. Lemos[1], doutor em sociologia e professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Faculdade de Comunicação (FACOM) da UFBA/CNPq,  o ciberespaço é difícil de definir e compreender. “Temos uma ideia do cyberespaço como o conjunto de redes de telecomunicações criadas com o processo digital das informações”, diz ele, mas acrescenta que essa concepção oculta muitas facetas do fenômeno.  No ciberespaço, redefinem-se noções de (i) espaço e tempo – pense-se no peticionamento eletrônico, nas contagens de prazo do processo eletrônico –,  (ii) de natural e artifical – pense-se nos documentos e assinaturas digitais – e  (iii) de real e virtual

Hoje entendemos o cyberespaço à luz de duas perspectivas: como o lugar onde estamos quando entramos num ambiente virtual (realidade virtual), e como o conjunto de redes de computadores, interligadas ou não, em todo o planeta (BBS, videotextos, Internet...). Estamos caminhando para uma interligação total dessas duas concepções do cyberespaço, pois as redes vão se interligar entre si e, ao mesmo tempo, permitir a interação por mundos virtuais em três dimensões. O cyberespaço é assim uma entidade real, parte vital da cybercultura planetária que está crescendo sob os nossos olhos.

Mesmo sem ser uma entidade física concreta, pois ele é um espaço imaginário, o cyberespaço constitui-se em um espaço intermediário. Ele não é desconectado da realidade mas, ao contrário, parte fundamental da cultura contemporânea. O cyberespaço é assim um complexificador do real. Como afirma Kellogg, ele aumenta a realidade já que ele supre nosso espaço físico  [tridimensional]  de uma nova camada eletrônica. No lugar de um espaço fechado, desligado do mundo real, o cyberespaço colabora para a criação de uma "realidade aumentada". Ele "faz da realidade um cyberespaço".[2] [sem grifo no original]

Lembra ainda, o estudioso baiano, que “[...] no cyberespaço, a conexão é em tempo real, imediata, ‘live’. Ela nos permite passar de uma referência à outra, sendo a conexão imediatamente disponível” e que “[...]   passamos de referências a referências, de servidor a servidor, de país em país com um simples ‘click’ do ‘mouse’, sem saber onde começa e onde termina o processo”.

Os novos meios de comunicação que coletam, manipulam, estocam, simulam e transmitem os fluxos de informação criam assim uma nova camada que vem se sobrepor aos fluxos materiais que estamos acostumados a receber. O cyberespaço é um espaço sem dimensões, um universo de informações navegável de forma instantânea e reversível. Ele é dessa forma um espaço mágico; já que caracterizado pela ubiquidade, pelo tempo real e pelo espaço não físico [...]

Depois da modernidade que controlou, manipulou e organizou o espaço físico, nos vemos diante de um processo de desmaterialização pós-moderna do mundo. O cyberespaço faz parte do processo de desmaterialização do espaço e de instantaneidade temporal contemporâneos, após dois séculos de industrialização moderna que insistiu na dominação física de energia e de matérias, e na compartimentalização do tempo. Se na modernidade o tempo era uma forma de esculpir o espaço, com a cybercultura contemporânea nós assistimos a um processo onde o tempo real vai aos poucos exterminando o espaço.[3] [sem grifos no original]

O ciberespaço é, portanto, nas palavras de André L. M. Lemos, um universo de pura informação, caracterizado pela ubiquidade e pela aniquilação do espaço pelo tempo real (instantaneidade). Um ciberprocesso, concebido como o processo do ciberespaço, realizado mediante um sistema processual que incorpore, maximamente, as particularidades tipificadoras dessa nova realidade, contribuirá fatalmente para a aceleração das respostas do Poder Judiciário às muitas demandas que lhe são postas.


[1] LEMOS, André L. M. As estruturas antropológicas do cyberespaço. Disponível em: <http://www.facom.ufba.br/ pesq/cyber/ lemos/estrcy1.html>. Acesso em: 04 mar. 2009. 
[2] LEMOS, André L. M. As estruturas antropológicas do cyberespaço.
[3] LEMOS, André L. M. As estruturas antropológicas do cyberespaço.