Um SEPAJ deve ser concebido como um subsistema autônomo e estruturalmente acoplado.
Permita-se relembrar
rapidamente o enfoque sistêmico luhmanniano do processo e o procedimento. Ao
teorizar a sociedade sob as luzes da teoria dos sistemas, Niklas Luhmann
introduziu conceitos que são fundamentais quando se pensa nos sistemas
eletrônicos de processamento de ações. À luz da teoria dos sistemas das décadas
de 50 e 60, Luhmann afirmava que os subsistemas sociais, aos quais equipara
expressamente o procedimento judicial, se formam por diferenciação funcional e são autônomos[1].
O Niklas Luhmann que
Alberto Febbrajo chama de segundo Luhmann
absorveu, na década de 70, as novas ideias
sobre sistemas autopoiéticos e auto-organizadores, e passou a referir-se a sistemas autorreferenciais, que têm sua sobrevivência condicionada pela heterorreferenciabilidade, ou seja, devem
estar estruturalmente acoplados ao sistema total, ao ambiente[2]. “O sistema e o ambiente concorrem sempre para
a realização de todos os efeitos [...]
Não existem sistemas sem ambientes
ou ambientes sem sistemas [...] “[3][tradução
livre]. Niklas Luhmann acentua, assim, o
problema da conexão entre os subsistemas, elevando sobremaneira a importância da
ideia de comunicação: “Se pode assim
dizer que o conceito de comunicação tende não mais a se apoiar no conceito de
função, mas a substituí-lo como conceito-guia
[...] “[4]
[tradução livre], chegando a dois outros conceitos chaves: interpenetração e interação.
Veja-se agora a questão
sob enfoque da tecnologia da informação. O palavrão interoperabilidade
ganhou força, a partir do surgimento da internet, porque no mundo virtual todos
os sistemas devem poder comunicar-se entre si. Essa comunicação é condição da
sobrevivência dos milhões de sistemas presentes na rede. Esses sistemas devem
ser capazes de comunicar-se entre si,
segundo determinados padrões (protocolos), com fluxo de informação em geral
bilateral[5]. O alinhamento dá-se no nível do "protocolo", da linguagem necessária para permitir o tráfico de dados.
Realce-se que, no meio tecnológico-jurídico
(entre os técnicos que trabalham em sistemas eletrônicos para processo),
reduziu-se o alcance do termo interoperabilidade
para significar a possibilidade de contato apenas entre os sistemas processuais
– dos diferentes tribunais, das diferentes instâncias etc. Ainda hoje se pode
dizer que ela é mínima e na documentação do SUAP – Sistema Único de
Administração Processual da JT, antes referida, a interoperabilidade – com essa
acepção reduzida – é posta como uma melhoria a ser perseguida (item 7, p. 14).
O neologismo extraoperabilidade, aqui proposto, serve também para referir a conexão dos sistemas processuais com o mundo, com os demais
sistemas eletrônicos disponíveis na sociedade e nos quais se encontra a grande
massa de dados necessária para as ações e decisões processuais[6]. Tem-se
de quebrar o hermetismo secular cultuado pelo direito (o que não está nos autos
não está no mundo). O paradigma novo,
que se propõe para o ciberprocesso, é
“o que não está nos autos, está no mundo
ou num outro sistema.”. E um sistema
processual, devidamente acoplado (conectado), deve estar habilitado a
especificar e controlar o fluxo de dados, de e para o seu interior, na
forma adequada para o processamento e para o alcance da máxima automação. Mas deve-se ir além porque a interpenetração supõe a mobilidade no nível da estrutura e em sua operação. Os algoritmos devem entrelaçar-se num fenômeno de distribuição da inteligência para fazer transitar a informação e não o dado.
Exemplo de pergunta
simples e intrigante: por que um advogado deve escanear os envelopes de
pagamento de um empregado, dos últimos cinco anos, para juntar aos autos, se o
sistema de folha de pagamento pode gerar um arquivo pequeníssimo, digital, compactado, criptografado e certificado, para
entregar ao sistema processual e pôr nos autos toda a riqueza de informação (dados já tratados) contida (mas não tratável) naquela maçaroca de imagens? A partir dessas informações digitais, geradas
segundo os padrões definidos pelo Poder Judiciário, quanta resposta buscada
pelos juízes, no ato de julgar, poderá
imediatamente ser dada pelo computador? Recebeu insalubridade? Recebeu
horas extras? Quantas e com que adicional? Em que meses? Quero um mapa
histórico das horas extraordinárias pagas!
Lembre-se, por exemplo,
que o Ministério do Trabalho e Emprego especifica como os sistemas de folha de
pagamento devem produzir, anualmente, a RAIS ( relação anual de informações
sociais). Esses sistemas também podem ser
legalmente obrigados a conter, por exemplo, um pequeno algoritmo gerador do
arquivo FDPJ – Folhas Digitais para
Processo Judicial, contendo os envelopes de um certo empregado e de um certo
período. O mesmo se diga dos sistemas de
ponto eletrônico. E dos dados funcionais. O poder judiciário especifica a forma
e os sistemas externos geram o tal arquivo para juntada ao sistema processual.
Outros exemplos:
(i) Saber se houve ou não depósitos do FGTS para certo empregado,
num período, e quanto, poderá depender apenas de uma consulta sistema-sistema para o sistema da CEF. A interação com o sistema do BACEN pode ser
totalmente automatizada, tornando-se mais segura e rápida;
(ii) Por que, até hoje,
não se dispõe de um banco de dados de
Convenções Coletivas de Trabalho, adequadamente construído, para responder
ao que os juízes precisam saber ao decidir?
Os advogados continuam fazendo cópia da cópia para juntar as CCT´s aos
autos. Será que precisarão continuar juntando as imagens escaneadas aos autos
de cada processo?
(iii) Qual a situação de um autor diante do INSS,
num certo período? O que aconteceu com ele junto ao INSS? Por que o SEPAJ e o
sistema da dataprev não podem comunicar-se para a alimentação digital
automática dessa informação;
(iv) Os dados societários podem ser obtidos dos
sistemas das Juntas Comerciais virtuais;
(v) Por que as guias de arrecadação fiscal e de recolhimento, de custas e de depósito recursal, não podem ser geradas automaticamente para
pagamento por internet banking, com
toda exatidão, dispensando-se qualquer outra operação manual no procedimento,
inclusive juntadas?
Os técnicos multiplicarão essas possibilidades
ao infinito. A tecnologia é capaz disso tudo! Está aí disponível. Basta vontade
e comando/abertura para que seja utilizada.
[1] Ideias encontradas, notadamente, na obra LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento.
[2] Ideias extraídas de LUHMANN, Niklas. Sistemi sociali. Fondamenti di uma teoria generale.
[3] LUHMANN, Niklas. Sistemi
sociali, p. 89-90. Texto original: “Il sistema e l´ambiente concorrono
sempre alla realizzazione di tutti gli effetti [...] Non esistono sistemi senza ambienti o
ambienti senza sistemi[...] “.
[4] LUHMANN, Niklas. Sistemi sociali, p. 19.
[5] Nos meios tecnológicos, fala-se, nesse sentido, em engenhos de
serialização, desserialização, contracts
e, inclusive intraoperabilidade
(fluxo num sentido único, de dentro para fora).
[6]
Por que não relembrar, aqui, os artigos
11 e 13 da Lei 11.419/2006, comentados no item 5 deste artigo.