8. O princípio da prioridade à função judicante (ato de julgar)

Um SEPAJ deve orientar-se pelo apoio máximo à função judicante estrita (ato de julgar).
O ato de decidir está preocupando os técnicos e está sendo visto como o gargalo dos sistemas processuais[1]. Por isso, a parcela mais expressiva de funcionalidades inteligentes de um SEPAJ deve estar voltada para o apoio máximo aos juízes no momento solitário da elaboração da decisão.  A função diretiva básica, norteadora do desenvolvimento de um SEPAJ, deve ser a função decisória.  É a partir dela que deve ser feita a concepção do sistema. Apoiá-la maximamente deve ser o objetivo de todos os demais passos do desenvolvimento do SEPAJ – especificação dos dados de entrada, formato, alimentação e armazenamento e os  procedimentos de tratamento (o programa em si). Afinal, segundo Eaton e Smithers,  “a primeira revolução industrial aplicava a máquina para ampliar o poder dos músculos do homem, ao passo que a segunda vai aplicar a TI para ampliar o poder da mente do homem.”[2]

O juiz Hércules, concebido por Ronald Dworkin[3], não existe! Mas qualquer  juiz, com o apoio tecnológico adequado, pode "herculizar-se" e ser capaz de considerar imparcialmente todos os sinais característicos relevantes de uma situação, numa dimensão de tempo adequada, à luz dos grandes princípios do ordenamento jurídico, de modo coerente e indutor da integridade do sistema.

Aristóteles fazia depender o correto julgamento da  faculdade de julgar – phrónesis, um dom, pois "proceder assim [decidir corretamente] em relação à pessoa certa, até o ponto certo, no momento certo, pelo motivo certo e da maneira certa, não é para qualquer um, nem é fácil"[4]  As tecnologias da informação podem colocar-ser ao lado do juiz para facilitar-lhes o exercício da função num nível de excelência superior.

Os técnicos precisam saber o que os juízes buscam nos autos (que perguntas se fazem  e que buscas realizam) ao decidir. A partir delas, poderão desenvolver o SEPAJ para, sendo possível, o sistema dispor das respostas prontas quando forem necessárias. Uma imensidão delas poderá ser facilmente respondida se o SEPAJ estiver (i) preparado para isso (programado), (ii) adequadamente alimentado e (iii) estruturalmente acoplado com os demais sistemas do mundo virtual.  Por enquanto, os sistemas têm se ocupado demais das “franjas do processo”.

Segundo Blaise Pascal, “é necessário conhecer as partes para entender o todo, mas é necessário conhecer o todo para entender as partes.”  O juiz é aquele que entende  o todo e as partes do processo.  Está em suas mãos dizer onde quer a tecnologia, até onde quer a tecnologia e de que forma quer a tecnologia, sendo necessário, para isso, abrir-se para o entendimento  do entorno do Direito ou, mais precisamente, para o entendimento das potencialidades das tecnologias digitais, colocando-a a seu serviço.

Da tarefa trivial de formatar originalmente a sentença, até o fornecimento de informações relevantes para a decisão,  um SEPAJ pode ser o parceiro fiel do juiz.



[1] A análise de sistemas sempre ensinou que qualquer sistema deve ser concebido a partir da análise dos resultados esperados. No caso do processo de conhecimento, por exemplo, esse resultado é “o ato final de julgamento”.  Pelo que se tem notícia, esse foi um erro original dos sistemas atuais que agora preocupa os técnicos e, é óbvio, os juízes.  O “ato de decidir” está sendo visto como o gargalo dos sistemas.  Se se automatiza todo o resto, muito mais rapidamente os processos chegam ao seu ponto culminante. E os juízes terão de decidir em velocidade compatível. Já em 1969, na obra Systems Analysis, Daniels e Yates  ensinavam que “A sequência de design é portanto – 1. Saídas (resultados); 2. Entradas (dados); 3. Arquivos; 4. Procedimentos (programa).” [Tradução livre]  Texto original: “The design sequence is therefore – 1. Outputs (results); 2. Inputs (data); 3. Files (files); 4. Procedures (program).” DANIELS, Alan; YEATES, Donald. Systems analysis,  p. 10. 
[2] EATON, John; SMITHERS, Jeremy.  Tecnologia da informação, p. 295.
[3] Sobre Hércules, ver DWORKIN, Ronald. O império do direito,  p. 285 e seguintes.
[4] ARISTÓTELES. Ética a Nicômcaos. 4.ed. Brasília:Editora Universidade de Brasília, 2001. p. 46.